quarta-feira, 16 de julho de 2008

Actualidade da Assunção.



1- .... dia quinze de Agosto, celebra-se em todo o mundo católico a solenidade da Assunção de Nossa Senhora ao céu, ou seja, a entrada da Mãe de Jesus na plenitude da glória do Senhor Ressuscitado, a glorificação escatológica de Maria em corpo e alma. Esta celebração prolonga de modo excepcional o mistério pascal de Jesus em sua Mãe, compreendendo--se assim a diferença dos termos usados em cada uma das festas: para exprimir a subida de Jesus ao céu, falamos de «Ascensão», a glória de quem sobe por direito e valor próprios; para designar a subida de Maia, falamos de «Assunção», arrastada ou chamada, a que sobe por convite e privilégio de Jesus. A festa da Assunção é a festa mariana mais antiga, fazendo-a alguns remontar aos tempos apostólicos, celebrada sempre com a maior solenidade, ainda que em épocas diferentes. No séc.VIII a celebração fixou-se para toda a Igreja no dia 15 de Agosto. Na cultura e tradição portuguesas a Assunção é também designada com os títulos de «Santa Maria de Agosto» (Fernão Lopes - Crónica de D. João I) e de «Senhora Alta». A profissão de fé na Assunção de Maria só foi proclamada de modo explícito e oficial como dogma de fé no dia um de Novembro de 1950 pelo Papa Pio XII. Ao definir uma verdade de fé, o Papa não cria nem inventa uma doutrina, mas explicita, confirma e proclama com a sua autoridade a fé vivida pela Igreja. As fontes doutrinárias de apoio à definição foram a tradição constante no interior da Igreja, e os textos do Génesis onde se anuncia a «vitória total» da Mulher sobre a serpente» e da Anunciação sobre a «plenitude de graça» da Virgem escolhida para Mãe de Jesus. Nem aquela «vitória» nem a «plenitude» seriam totais sem a Assunção. Na bula da definição omite- -se a referência à morte de Maria, afirmando que, «terminado o percurso da sua vida terrena», «ela entrou na glória de seu Filho em corpo e alma», deixando assim liberdade de discussão sobre a natureza da morte. É, porém, doutrina comum que Maria morrera de facto, para acompanhar de perto o seu Filho e todos os mortais, embora a sua morte não conhecesse o sofrimento e a agonia, assemelhando-se antes a um «adormecer». Ainda hoje, em muitos lugares se venera a Maria de Jesus sob o título de «Dormição de Maria» ou «Senhora da Boa Morte», a sublinhar a serenidade da morte e a incorrupção do corpo. Convém lembrar que a doutrina da definição da Assunção vai para além da defesa desses aspectos e afirma como essencial o elemento positivo da glorificação.


2 - Na diocese de Vila Real, o mistério da Assunção é o título explícito de «padroeiro» de treze paróquias, havendo mais cinco com o nome de «Santa Maria Maior» cujo significado é idêntico, como pode verificar-se pelos painéis e telas relativos a essa invocação mariana. É ainda admissível que alguns títulos paroquiais de «Santa Maria» se refiram ao mesmo mistério. Seja como for, o número de dezoito titulares não é excessivo numa região montanhosa onde era de esperar que esse título fosse mais frequente. Há mesmo concelhos inteiros sem um único título paroquial de Assunção, como é o caso dos concelhos do Baixo Tâmega (Mondim de Basto e Ribeira de Pena), do Centro I (Vila Real e Sabrosa) e do Douro I (Santa Marta de Penaguião, Régua e Mesão Frio). Talvez isso haja influenciado o clero diocesano que, convidado a escolher o titular da Sé de Vila Real após a sua criação em 1922, se dispersou por muitas hipóteses, acabando por se escolher o título mariano mais citado na consulta, a Imaculada Conceição, mesmo não sendo elevado o número de votos. Em muitas dioceses portuguesas o titular comum da respectiva Sé catedral é a «Senhora da Assunção».


3 - Como se disse acima, a Assunção só foi proclamada de modo explícito e oficial como dogma de fé no dia um de Novembro de 1950 pelo Papa Paio XII. Entre as razões pastorais que levaram a essa proclamação, inclui-se a sua oportunidade perante o drama social e cultural do séc. XX. Recorde-se a tragédia das duas guerras mundiais e de outras guerras locais, os terríveis campos de prisioneiros e de extermínio criados pelos dois sistemas totalitários do comunismo e do nazismo, que, em nome da «pureza da raça» e de políticas absolutistas, promoveram uma política de total desprezo pela pessoa humana, mais que na escravatura e na Inquisição política, matando milhões de seres humanos. Esta sujeição escandalosa da pessoa humana a interesses ideológicos e políticos continua a verificar-se em nossos dias, ainda que de modo subtil e ardiloso. Lembremos os genocídios na Europa e em África, os maus-tratos de prisioneiros em várias partes do mundo, a morte violenta de pessoas indefesas para recolha e transplantes de órgãos vitais, a fome causada por políticas de má distribuição e jogos de interesses, e, de modo mais sofisticado porque feito em nome da ciência e da saúde, o mundo complexo da investigação científica e da fecundação humana artificial, da eutanásia e da política desumana do aborto oficializado para defender falsos direitos e até caprichos de casais, de mulheres e de grupos financeiros e políticos. Poderá ainda acrescentar-se a violência humana nos excessos da moda, nas loucuras das estradas, nos divertimentos nocturnos, nos negócios da droga. A difusão actual da cremação do corpo humano depois da morte, desde que isso se não faça por desprezo do corpo e tentativa de negação da vida eterna e ressurreição final, é permitida entre cristãos, e o próprio Ritual oficial das exéquias prevê um rito para essa hipótese. Recomenda, contudo, se dê preferência ao enterramento do corpo. A festa da Assunção de Maria, para além do aspecto directamente religioso, constitui hoje um apelo fundamental à dignidade do corpo humano, porque a pessoa humana é uma totalidade de corpo e alma. A descoberta da noção de pessoa nasceu por influência da fé cristã e não admira que, fora dessa cultura e em ambiente laicista, a sensibilidade ao mistério da pessoa esteja ameaçada e se torne até difícil de viver. Há aqui uma reciprocidade da fé sobre a civilização humana e desta sobre a vida de fé. A conjugação da escatologia com a antropologia, da psicologia com a teologia, da piedade da pessoa com a ética social no trabalho, deve estar presente em toda a tarefa educativa. Aos cristãos – nomeadamente aos catequistas, pregadores, professores e participantes nas festas do baptismo, da comunhão, do crisma, do casamento católico ou mesmo das exéquias cristãs – a Assunção de Maria pede um testemunho visível dessa consciência.


D. JOAQUIM GONÇALVES Bispo de Vila Real, 2008-08-14