sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Igreja desafiada a olhar mais para o digital




Início dos trabalhos das Jornadas de Comunicações Sociais, em Fátima.

Um desafio para que a Igreja olhe com mais atenção para as potencialidades do mundo digital marcou o início dos trabalhos das Jornadas Nacionais das Comunicações em Fátima, dedicadas ao tema do “Evangelho Digital”.
D. Manuel Clemente, presidente da Comissão Episcopal responsável pela área das Comunicações Sociais, destacou a importância da reflexão sobre o tema do Evangelho digital, a “componente informática da comunicação”.
Depois de afirmar que o Cristianismo é essencialmente uma “comunicação realizada”, o Bispo do Porto indicou que actualmente a “reconfiguração comunitária da evangelização” é a grande tarefa pastoral da Igreja nos nossos dias.
Numa primeira conferência, dedicada ao “Panorama Digital em Portugal”, Pedro Janela, sócio e director da BY, começou por frisar que “o digital não tem fronteiras”.
Segundo este especialista, a Igreja não pode estar “três passos atrás da sociedade” quando se fala da Internet, num momento em que as camadas mais jovens não querem saber da televisão, querem “comunicar uns com os outros”.
Neste “mundo novo” do panorama digital, a presença da Internet é cada vez mais relevante, “uma onda que não vai parar” depois do “fecho de um ciclo” que passou por várias fases - informação, catalogação, transacção, partilha e relacionamento - em menos de 15 anos.
“É aqui que as pessoas estão atentas, a querer interagir, de um para um e não de um para muitos”, afirmou.
Pedro Janela afirmou que a próxima vaga será “a mobilidade”, permitindo fazer tudo o que fazemos hoje no PC num telemóvel.
“A Igreja ficou em 2003”, defende, assinalando que “é preciso fazer mais”. “Não há relacionamento, que é a palavra-chave”, lamentou, frisando que é preciso passar da informação para a interacção.
Esta interacção pode passar por aconselhamento online, catequese (elearning), podcasts e videocasts ou redes de amigos católicos.
Rogério Santos, professor da UCP, falou da passagem de “um emissor para múltiplos receptores” para um cenário de “múltiplos emissores para múltiplos receptores”.
A chegada de uma “pós-televisão”, em que esta é a “televisão da intimidade” e a crescente digitalização, trazem novos conceitos, oportunidades e ameaças. Neste contexto ganham destaque as multiplataformas, a criação de blogues, os novos consumos e audiências, a precariedade de trabalho, o aumento do consumo da Internet e a quebra dos consumos de jornais e rádio.
Dado que os media mais clássicos perdem audiência para a Internet, a Igreja precisa de apostar na “formação em novas tecnologias”, “nos novos media”, no “uso das redes sociais”, para além da presença nos blogues e no Youtube, por exemplo.

Fotos: Agência Ecclesia / Fátima TV

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

PROGRAMA PASTORAL - Arciprestado Baixo Tâmega


Para mim, viver é Cristo”
Uma festa, tal como estamos habituados a ver, tem o seu sucesso quando é bem preparada, na medida em que cada interveniente sabe o que fazer no tempo certo, quando não há atropelos, quando ninguém ocupa a tarefa dos outros porque cada um já sabe de antemão do que se ocupar. Assim a festa tem encanto e no fim enche o coração pelo facto da sua organização e brilho.
Um ano pastoral é uma grande festa que também carece de preparação. Por isso, este Plano Pastoral que aqui se apresenta serve de auxílio a cada interveniente da “festa” para que saiba o que fazer e, também, tem como finalidade mostrar onde se quer chegar com tudo o que se possa fazer.
O nosso Romano Pontífice, Bento XVI, proclamou um ano dedicado ao Apóstolo S. Paulo para celebrar os 2000 anos do seu nascimento, para o conhecer melhor a nível intelectual e também para com ele crescermos espiritualmente através dos seus escritos.
A nossa Diocese seguindo a linha do Papa dedica este ano pastoral ao conhecimento completo de S. Paulo e ao uso correcto da Bíblia.
Querem os nossos Bispos que os cristãos se aproximem da Palavra de Deus para a conhecerem melhor e também rezarem com ela.
O Conselho Pastoral do Arciprestado também sente a necessidade de levar às pessoas das suas paróquias a Palavra de Deus. Para que tal aconteça, serve-se deste ano Paulino para conhecer quem era S. Paulo, quem passou a ser e que propostas de vida dá ainda hoje. Tem-se como objectivo contactar com a Bíblia e aprender a fazer oração com as palavras dos homens de inspiração divina.
O lema do Arciprestado será: “Para mim, viver é Cristo” (Fil 1, 21). É uma pequenina frase inspirada na carta de S. Paulo aos Filipenses, mas que tem uma carga muito grande, quer teológica quer espiritual. Este lema dá o mote a cada cristão para a vivência deste ano pastoral, o
encontro com Cristo através da sua Palavra.
O Arciprestado não lança apenas o lema, mas também propõe actividades ao longo do ano para que se possa contactar com a pessoa de S. Paulo, com as suas palavras de Inspiração Divina, para que se aproximem mais de Cristo. Os cristãos são convidados a olhar para a Bíblia e fazer uma análise da História da Salvação a partir de Jesus Cristo, centro de toda a história. Portanto, a nível do Arciprestado propõe-se o seguinte:
1- Conferências sobre S. Paulo:
a)
No Advento, tempo de preparação, tenta-se conhecer quem era, em que contexto sócio-cultural cresceu, o seu enquadramento histórico.
b) Na Quaresma, tempo penitencial e baptismal, convida-se os cristãos a olhar para S. Paulo como seguidor de Cristo, que Morreu e Ressuscitou, por isso, um modelo a seguir.
c) Na Páscoa, tempo de glória e triunfo, olhando para S. Paulo que seguiu Cristo, ver que testemunho se pode dar hoje de Cristo.
2- Revitalizar da Missão Popular nas paróquias:
– Para que cada cristão sinta na sua vida a necessidade de seguir a Palavra de Deus, para que hajam muitos e bons colaboradores, missionários, cooperadores. A missão terá como objectivo ajudar as pessoas a sentirem a evangelização como sua, a sentirem a necessidade de empenho na
paróquia, a necessidade de cooperar.
3- Adoração ao Santíssimo Sacramento:
- Que todos os dias do ano haja sempre um grupo do Arciprestado a adorar Cristo Sacramentado. Pode-se usar algumas palavras de S. Paulo para que ajude a viver a fé e a fé ajude a criar uma cultura de amor, que celebra em actos e palavras no dia-a-dia.
4- Catequese:
– Catequista e catequizandos sentirem que o trabalho catequético só termina quando se conseguir pelas suas próprias mãos evangelizar outros. Com S. Paulo, evangelizar para se trabalhar em rede, em comunidade, para a cooperação nos ministérios da Igreja.
5- Grupos do Apostolado:
- Criar a ideia de agregação de novos membros e de integração na comunidade, porque ninguém consegue fazer apostolado sozinho.
6- Jovens:
– Nas vigílias de oração e outras actividades colocar os olhos em S. Paulo e encontrar um testemunho a seguir. Um homem que se deixou apanhar por Cristo, que conseguiu colocar de lado os ideais da juventude e crescer para realidades com mais valor.
7- Dia da Bíblia:
– Ajudar os cristãos a entender que não pertencem a uma religião de um Livro, mas a uma religião que tem uma relação afectiva com a Pessoa de Jesus Cristo. Sensibilizar os cristãos a possuírem a Bíblia para leitura e não para ser guardada na estante.

De certeza que não estão aqui todas a sugestões mas estão aquelas que parecem ter mais prioridade. Contudo se conseguirmos ao longo de este ano ocupar o nosso lugar nas actividades da festa, certamente que no fim sentimos um alívio pela missão cumprida e ganhamos coragem
para entrar na festa do próximo ano.

Carlos Manuel F. Rodrigues
Pároco de Salvador, Sta. Marinha e Sto. Aleixo

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

D. Joaquim Gonçalves recebeu medalha de ouro na festa do escutismo


O Bispo de Vila Real D. Joaquim Gonçalves recebeu uma medalha de agradecimento – grau ouro – atribuída pelo chefe nacional do Corpo Nacional de Escutas (CNE), pelo «carinho, entrega e dedicação » para com o agrupamento 123 de S. José de Ribamar, do qual foi assistente mais de 20 anos.
Também o seu irmão, padre José Gonçalves, foi distinguido com a “Cruz Monsenhor Avelino Gonçalves”. As entregas foram feitas durante a celebração jubilar que assinalou o encerramento das comemorações dos 50 anos da fundação do escutismo em S. José de Ribamar, na Póvoa de Varzim.
Na celebração, presidida por D. Joaquim Gonçalves, o prelado teve a oportunidade de afirmar que o escutismo educa «para a disciplina e para o perdão, para a ternura e para a exigência». Acentuando algumas características da educação integral que o CNE dá aos jovens, destacou a noção de responsabilidade, de espírito de equipa e de desprendimento. Sobre este último afirmou: «o escutismo ensina a viver com poucas coisas, apenas com o essencial». O Bispo de Vila Real denunciou também a «cultura do não me apetece» como sendo «uma desgraça e um veneno», descendentes das ideias iluministas da Revolução Francesa. Face a esta cultura, D. Joaquim Gonçalves defendeu a cultura da responsabilização e do compromisso que o escutismo ministra e preza.
Para o chefe de agrupamento de S. José de Ribamar, José Filipe Pinheiro, «celebrar 50 anos da fundação do agrupamento implica fazê-lo da forma mais envolvente e participada possível», recordando «aqueles que tornaram possível este projecto e toda a comunidade paroquial». Esta celebração permite, ainda, ao agrupamento poder «olhar para trás para melhor viver o presente, conhecer as suas potencialidades e projectar um bom futuro».
Diário do Minho 15/09/2008

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Carta Pastoral de D. António Marto para o Ano Pastoral 2008-2009



«Ir ao coração da Fé»




Caríssimos Diocesanos,
Irmãs e Irmãos no Senhor,


“Graça e Paz da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus, nosso Salvador!”(Tito 1,4)
Desejo saudar-vos, afectuosamente, com estas palavras do Apóstolo Paulo a Tito, seu “verdadeiro filho na fé comum”.
Peço ao Senhor que me conceda poder partilhar como bispo, sucessor dos Apóstolos, a missão e a paixão de Paulo “servo de Deus, apóstolo de Jesus Cristo, para chamar à fé os eleitos de Deus e ao conhecimento da verdade, que conduz à piedade, na esperança da vida eterna” (Tito 1,1-2).
Sim, ó Senhor Jesus, guarda sempre viva e forte em mim a consciência da missão que me confiaste: “chamar à fé os eleitos de Deus”, ou seja, todos os homens por Ele amados; chamá-los “ao conhecimento da verdade” que resplandece nas palavras da Revelação divina e que encontra a plenitude de luz em Ti, Palavra incarnada.
Esta palavra “conduz à piedade”, a uma vida filial, boa e bela; que está fundada “na esperança da vida eterna”, e, assim, abre os nossos olhos e o nosso coração à alegria e à plenitude da vida em Deus.
É com esta consciência da missão e com esta invocação ao Senhor que vos escrevo a presente carta pastoral, para vos apresentar o percurso da nossa Igreja diocesana para o ano pastoral 2008/09. Esta carta é fruto não só da minha reflexão, mas também do contributo dos vários órgãos pastorais diocesanos cuja dedicada colaboração agradeço.
Como sabeis, estamos a seguir o percurso já traçado pelo Sínodo Diocesano nas suas linhas gerais. A primeira etapa foi dedicada a descobrir a beleza e a alegria da vocação cristã e do acolhimento, como resposta e expressão da infinita ternura de Deus.
Não posso concentrar-me aqui sobre todas as iniciativas que se realizaram. Mas, se há uma imagem que me ficou mais gravada que outras no olhar, no coração e na memória, foi a participação impressionante de tantos adolescentes e jovens nas vigílias vocacionais em cada vigararia. A esta imagem associo também a do entusiasmo, que senti de perto, nos jovens que participaram no grupo vocacional de Santo Agostinho e nos adolescentes do Pré-Seminário. Tudo isto é um sinal de esperança a desmentir uma tendência para o pessimismo, relativa ao trabalho pastoral com os jovens. Poderemos nós deixar perder este “capital” de esperança?
Admirável foi também a adesão de muitas pessoas (à volta de 5.000) e grupos à proposta de “retiro popular” durante a Quaresma. Quem ousa dizer que não vale a pena fazer propostas porque não há disponibilidade das pessoas para as agarrar?
Caminho em sintonia com a Igreja universal
Este ano pastoral será dedicado à formação cristã em ordem à revitalização e crescimento da fé, da sua vivência espiritual e do seu testemunho.
Vem na sequência lógica do tema da vocação cristã, assume-o e prepara para o percurso futuro. Com efeito, “a formação dos fiéis leigos tem como objectivo fundamental a descoberta cada vez mais clara da própria vocação e a disponibilidade cada vez maior para vivê-la no cumprimento da própria missão”. (João Paulo II, Vocação e missão dos fiéis leigos, nº 58).
A formação na fé é hoje mais necessária que nunca. Trata-se de “ir ao coração da fé” para descobrir a sua riqueza, a sua beleza, o seu encanto, a sua alegria e a sua força irradiante. Uso aqui o termo “coração” num tríplice significado: enquanto núcleo central da fé, que é Jesus Cristo; como centro propulsor que leva o “sangue”, a vitalidade, o dinamismo, a todos os membros do corpo que é a Igreja; e como o lugar–símbolo do afecto com que se acolhe no íntimo de cada um, cheio de confiança, o anúncio de Cristo Salvador: “Se confessares com a tua boca que «Jesus é o Senhor» e acreditares no teu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo” (Rom 10,9).
Providencialmente, este ano pastoral coincide com dois grandes acontecimentos da Igreja universal, que de modo algum podemos ignorar e que vamos integrar no nosso percurso pastoral. Aliás, vêm enriquecê-lo muito.
O primeiro é o Sínodo dos Bispos sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja. Um sínodo dedicado a redescobrir a infinita bondade e ternura de Deus que, na sua Palavra, se revela ao homem como amigo, conversa com ele, convida-o à comunhão consigo e a colaborar com Ele na transformação da história, segundo o seu desígnio de salvação. Chama-nos, assim, a atenção para a primazia da Palavra de Deus na formação dos cristãos.
O segundo acontecimento é o Ano Paulino para comemorar os dois mil anos do nascimento do grande Apóstolo Paulo. “Ele brilha como uma estrela de primeira grandeza na história da fé e do cristianismo”. (Bento XVI). Neste sentido, o Santo Padre proclamou um “Ano Paulino”, que – à semelhança do Ano Jubilar da redenção – possa ajudar a Igreja a redescobrir a rica e bela mensagem de Paulo, para se enamorar cada vez mais de Cristo e reavivar a fé.
São Paulo será, pois, o mestre e guia no nosso caminho pastoral. Por isso, escolhemos como lema bíblico para este ano a exortação do Apóstolo: “Permanecei firmes e sólidos na fé” (Col 1,23). E, como símbolo, escolhemos um ícone de São Paulo a evocar o rosto da sua fé viva, do seu amor apaixonado por Jesus Cristo, do seu ardor missionário.
Esta carta pastoral é uma reflexão sobre a formação para uma fé adulta. A primeira parte apresenta o panorama cultural em que nós somos chamados a viver a fé e o desafio que isso representa para a formação. Na segunda parte, procuramos “ir ao coração da fé”, à luz de São Paulo e na terceira apresentamos os diversos itinerários da formação cristã. Na última, oferecemos indicações e propostas pastorais concretas para as comunidades e para a Diocese.


1.“SENTINELA, QUE VÊS NA NOITE?” (Is 21,11): A NOITE DA FÉ NO NOSSO TEMPO
Para indicar o espírito com que pretendo analisar a situação da fé hoje, escolhi uma palavra do profeta Isaías, algo enigmática. Parece imitar um canto que as sentinelas cantavam na noite para não cair no sono:


“Chamam por mim desde Seir:
Sentinela, que vês na noite?
Sentinela, que vês na noite?
E a sentinela responde:
Chega a manhã e a noite também.
Se quereis voltar a perguntar, vinde de novo.” (Is 21,11-12).


A imagem da sentinela é sugestiva. Evoca a noite, a solidão, o estado de vigia, a advertência do perigo a assinalar, o temor do inimigo, uma situação em geral incómoda, mas também a esperança da aurora do novo dia. Por isso, estes versículos, misteriosos e provocadores, são usados como imagem para indicar a fadiga de perscrutar o tempo presente e o seu significado para a fé. Uma fadiga semelhante à da sentinela que perscruta na noite; e uma vez despontado o dia, volta de novo a fadiga, porque volta também a noite. E, contudo, há momentos em que se torna imperativo e inevitável a responsabilidade de perscrutar na noite, como é o momento em que vivemos.
Na noite do cenário da história, a nós cristãos é-nos pedido procurar penetrar a obscuridade, estar prontos à escuta das questões e dificuldades para a vivência e testemunho da nossa fé, mas também a discernir os apelos de Deus nesta situação e as possíveis aberturas à fé.
1.1. Onde estamos?
Todos experimentamos que o mundo atravessa uma crise de fim de uma época. Sucedem-se mutações culturais profundas, a um ritmo vertiginoso, impossíveis de controlar e orientar. Assemelham-se a uma série de abalos sísmicos com repercussões em todos os âmbitos da vida: familiar, social, cultural, político, económico e religioso. Afectam até os valores fundamentais e perenes.
Está a nascer, de forma confusa e algo caótica, um mundo novo, um modo novo de viver no mundo. E todos sofremos as dores deste parto difícil.
Mudou também o contexto em que se vivia e transmitia a fé. Salta aos olhos de todos que já não vivemos mais numa “sociedade cristã” (a cristandade), em que a fé se transmitia em família como uma herança e era protegida pelo ambiente social e cultural, ainda com referências aos princípios cristãos. A fé deixou de ter este suporte ambiental.
Hoje vivemos numa situação de pluralismo social e cultural. São-nos apresentados e oferecidos, como num mercado, os mais diversos projectos e modelos de vida. Muitos deles são estranhos ou contrários ao Evangelho e geram confusão nos cristãos que não têm a preparação sólida da fé.
Confrontamo-nos ainda com o pluralismo religioso. Surge, inevitavelmente, a questão da identidade cristã: porque sou cristão? O cristianismo é apenas mais uma religião entre as outras? Onde está o específico da fé cristã?
Assistimos também a uma perda progressiva da memória cristã tanto a nível colectivo como individual. Há tentativas de fazer aparecer a fé cristã como estranha à cultura ou à moda dominantes, como relíquia ou vestígio do passado, do tempo dos nossos avós. Vai-se tornando moda ser agnóstico. Instala-se um clima de indiferença religiosa em que não há “ouvido interior” para Deus, nem “apetite” espiritual. Neste clima, muitos cristãos deixaram-se atingir por um complexo de inferioridade, pelo temor de ser diferentes.
Mais impressionante é o analfabetismo e a iliteracia religiosos. Uma constatação que não podemos iludir é a grande ignorância de muitos católicos sobre os conteúdos, as noções e os conceitos mais elementares da fé. Há cristãos de idade adulta que, em relação ao conhecimento da fé, permanecem ao nível infantil. Permanecem numa religiosidade vaga e superficial; são incapazes de dialogar com a cultura e de enfrentar, à luz da fé, as novas questões que hoje se põem. E não raramente trazem consigo representações deturpadas da fé. Reduzem-na a um conjunto de práticas, de preceitos, obrigações e proibições como se fosse um fardo. Assim não descobrem a riqueza, a beleza e o encanto da fé em Jesus Cristo. De facto, a ignorância religiosa é hoje uma das “chagas” da Igreja e o maior inimigo da fé.
Mesmo ao nível da catequese de crianças e adolescentes, apesar de todos os esforços louváveis para a sua renovação, os resultados não são muito satisfatórios. Fico triste quando vou crismar a algumas paróquias e o pároco, antecipadamente, me diz: “Senhor Bispo, destes crismandos ficam apenas uns 10% de fiéis praticantes”. Ouço calado e interrogo-me interiormente: será que estou destinado a ser bispo crismador de ateus práticos que vivem como se Deus não existisse? Mas, apesar disso, é mais forte em mim a esperança de que a semente lançada à terra dará frutos a seu tempo!...
Em síntese, verifica-se entre nós o diagnóstico que João Paulo II traçou a respeito da situação europeia: “Muitos europeus pensam que sabem o que é o cristianismo, mas realmente não o conhecem. Frequentemente, ignoram os rudimentos da fé. Muitos baptizados vivem como se Cristo não existisse: repetem-se gestos e sinais da fé por ocasião das práticas de culto, mas sem a correlativa e efectiva aceitação do conteúdo da fé e adesão à pessoa de Jesus. Em muita gente, as grandes certezas da fé foram substituídas por um sentimento vago e pouco empenhativo; difundem-se várias formas de agnosticismo e ateísmo prático que concorrem para agravar a divergência entre a fé e a vida; muitos há que se deixaram contagiar pelo espírito de um humanismo imanentista que enfraqueceu a sua fé, levando-os, com frequência, a abandoná-la completamente” (Igreja na Europa, nº 47).
Na noite da fé há também “estrelas da manhã” que anunciam o despertar da aurora. Notam-se sinais de uma busca espiritual, de procura da bondade e da beleza da vida, que abrem caminhos ao anúncio do Evangelho. Têm surgido na Igreja novos dons do Espírito e múltiplas iniciativas que reacendem a chama da fé e a fortalecem. Despontam propostas de formação e tem crescido o interesse e a adesão de muitos fiéis. Há adultos que redescobrem a fé como uma música nova que dá esperança e alegria à vida. Sinto isto nas visitas pastorais.
1.2. Para onde vamos?
Esta é a situação nova em que somos chamados a viver a fé, em tempos difíceis. Devemos encará-la com realismo e esperança. Não podemos ficar junto ao muro das lamentações. Aliás, não é uma situação inédita. É muito semelhante àquela em que nasceu e se desenvolveu o cristianismo e viveram os primeiros cristãos. Também não é só negativa. É uma crise acrisoladora, purificadora da nossa fé. É um tempo providencial para reencontrar a autenticidade da fé.
Mostra-nos que estamos a passar de um cristianismo transmitido como herança, de geração em geração, por uma espécie de pertença passiva, a uma fé de opção livre, vivida como um percurso deliberado de adesão consciente, convicta e alegre. É uma provação e provocação, um desafio a crer mais (em profundidade) e a crer melhor (em qualidade). “Supõe que haja o cuidado de promover a passagem de uma fé apoiada na tradição social, e que tem o seu valor, a uma fé mais pessoal e adulta, esclarecida e convicta” (Igreja na Europa, nº 50). Vale para nós hoje o que Tertuliano dizia para o seu tempo (séc. III): “Não se nasce cristão; faz-se cristão”!
O desafio, hoje, não é só baptizar os novos convertidos, mas também levar os baptizados a converterem-se a Cristo e ao Seu Evangelho. Antes da questão: como anunciar a fé aos outros?, precisamos de enfrentar ainda esta: como podemos nós, enquanto cristãos e comunidade cristã, descobrir a riqueza da fé e vivê-la, tornarmo-nos adultos na fé? Eis a razão da nossa preocupação pastoral, que é uma aposta decisiva para o século XXI: formar para uma fé adulta, deixando-nos iluminar por esse gigante da fé que é São Paulo.
1.3. “Passa e ajuda-nos”(Act 16,9)
É neste contexto que queremos viver o Ano Paulino na nossa Diocese. No livro dos Actos dos Apóstolos há uma passagem muito sugestiva. Mostra-nos o itinerário da actividade missionária de São Paulo – o itinerário da Palavra de Deus – que o faz aportar à Europa. É a conhecida “visão do macedónio”. Estando em Tróade, na Ásia, “durante a noite, Paulo teve uma visão: um macedónio estava de pé, diante dele, e fazia-lhe este pedido: “Passa à Macedónia e vem ajudar-nos”. Logo que Paulo teve esta visão, procurámos partir para a Macedónia, persuadidos de que Deus nos chamava, para aí anunciar a Boa Nova” (16,9-10).
Na Macedónia podemos ver a figura dum povo, da própria Europa. A súplica a Paulo é um convite a fazer-se ao mar e a atravessar o estreito; é um grito de quem está em perigo de perder-se e tem necessidade da ajuda e da luz do Evangelho.
A evangelização de Paulo aparece, assim, como resposta ao grito da Europa, à urgência da gente que pede a Palavra; e faz parte do desígnio de salvação, porque é Deus a guiar os acontecimentos.
“Passa e ajuda-nos” é também a nossa súplica hoje, a São Paulo, neste início do segundo milénio em que a Europa corre o perigo de esquecer e renegar a memória e as raízes da fé cristã.
“Paulo não é para nós uma figura do passado que recordamos com veneração. É também o nosso mestre, apóstolo e arauto de Jesus Cristo também para nós. Paulo quer falar connosco hoje. Por isso, quis proclamar este especial Ano Paulino: para escutá-lo e para aprender dele, agora, a fé e a verdade, em que ele é o nosso mestre” – diz o Papa Bento XVI.
Com a sua mestria, São Paulo conduzir-nos-á ao coração da fé e a nela crescer. Façamos uma pausa, em oração silenciosa, pedindo:
Senhor, tu que guiaste São Paulo por caminhos misteriosos e o fizeste aportar à Europa, até junto de nós, para nos trazer a Tua Palavra, faz com que nós o acolhamos hoje e acolhamos o Teu admirável desígnio de salvação que ele proclamou com desassombro.


2. IR AO CORAÇÃO DA FÉ, COM SÃO PAULO
2.1. Um terramoto de luz no caminho de Damasco: a revelação de Cristo a Paulo
Se perguntássemos a São Paulo qual o acontecimento fulcral e determinante de toda a sua vida, certamente não hesitaria em responder-nos: o encontro com Cristo Ressuscitado no caminho para Damasco – assim afirma o cardeal Martini.
O que aconteceu a Paulo num dia incerto, entre 33 e 35 do séc. I, a caminho de Damasco, ficou impresso na memória colectiva através da imaginação criadora de Caravaggio na famosa tela que se encontra na igreja de Santa Maria del Popolo, em Roma: um enorme cavalo olha de soslaio para um Paulo que perdeu as estribeiras, caído por terra, inundado por um clarão de luz repentina que desce do céu como um raio que o cega.
Mas a descrição desta singular manifestação de Cristo a Paulo, narrada por São Lucas nos Actos dos Apóstolos, em três textos (9,1-18; 22,3-21; 26,9-18), não inclui aquele cenário equestre.
Detenhamo-nos, então demoradamente, na primeira narração (Act 9,1-18). Procuraremos descobrir em primeiro lugar a riqueza e beleza do conteúdo numa leitura meditada (lectio divina), para, num segundo momento, actualizar a sua mensagem para nós.
O texto descreve Saulo – que tinha também o nome romano de Paulo – como um judeu praticante e zeloso das tradições religiosas e, por isso, adversário e perseguidor dos cristãos. Foi durante uma viagem em que se dispunha a prender cristãos, já perto de Damasco, que este homem, natural de Tarso, na actual Turquia, teve esse encontro decisivo com Cristo.
O acontecimento é descrito através de uma linguagem simbólica, com o objectivo de expressar em palavras algo que excede a linguagem humana. Interessa-nos pois, compreender a experiência sobrenatural de grande densidade que as palavras e os símbolos deixam entrever.
Como na sequência de um filme, o episódio desenrola-se em três cenas de extraordinário efeito.


1. Tudo começa, sendo Paulo “envolvido subitamente por uma luz intensa vinda do céu”. O facto de tudo suceder subitamente acentua o carácter inesperado do acontecimento: trata-se de uma graça divina completamente gratuita, imprevisível, extraordinária. Deus é sempre surpresa e surpreendente!
A luz intensa vinda do céu faz referência a uma experiência divina. Como sucedera tantas vezes ao longo do Antigo Testamento, Deus manifesta a sua presença grande e maravilhosa, através de uma luz intensa, que deslumbra a pessoa e a eleva a uma realidade nova fascinante.
Paulo não só vê essa luz, mas é envolvido totalmente por ela: não é algo exterior que ele contempla, mas toca toda a sua pessoa, abarca todo o seu ser e deixa-o cego. É o esplendor do Ressuscitado que o cega. De facto, Cristo “é um abismo de luz que cega e desassossega” (Kierkgaard).
O fulgor no qual é envolvido faz com que caia por terra, expressão do assombro e atitude de adoração. Cai por terra, sim, mas não cai no vazio. Na realidade, cai nos braços do amor de Cristo, como mais tarde virá a descobrir. Paulo está fora de si, rendido ao que acaba de experimentar, incapaz de dizer ou fazer o que quer que seja.


2. Uma voz irrompe e interroga-o: Saulo, Saulo, porque me persegues? A resposta de Paulo mostra, uma vez mais, o assombro e o mistério no qual se sente envolvido: ainda não percebeu o que está a suceder e, menos ainda, de quem é a voz que o interroga. Por isso, responde com uma pergunta: Quem és tu, Senhor? A resposta que recebe é a chave, a explicação de toda a experiência: é Jesus! Mas a frase tem um peso enorme: “Eu sou Jesus, a quem tu persegues”.
O texto original grego é muito expressivo: ao utilizar literalmente o pronome pessoal “eu” (só se utiliza nos casos em que se quer sublinhar, num modo particular, o sujeito) acompanhado pelo verbo ser (eu sou), tem uma referência clara ao nome de Deus como foi revelado a Moisés. Jesus ressuscitado revela-se assim a Paulo como sendo Deus. Quem lhe veio ao encontro, era o Deus que ele servia e a quem queria ser fiel. Mas agora descobre que esse Deus se identifica com a Pessoa de Jesus, a quem ele estava a perseguir na pessoa dos cristãos.


3. Segue-se uma ordem. “Ergue-te, entra na cidade e dir-te-ão o que tens a fazer”. É a continuação lógica do anterior. O “erguer-se”, alude à ressurreição. Significa a nova etapa que começa e é a única resposta que a pergunta de Jesus pode ter: dispor-se a uma vida nova, a um novo começo. A partir de agora, já não será ele a decidir o que deve fazer; será a comunidade, a Igreja que lhe transmitirá o que Deus dele pretende.
O facto de Paulo, ainda cego, ter de ser levado pela mão e estar sem comer nem beber durante três dias até que lhe imponham as mãos e seja baptizado, acentua a profundidade do sucedido: a necessidade de interiorizar o acontecimento e a necessidade de purificação e preparação para entrar plenamente na Igreja. Só então, Paulo recupera a luz que a “visão” tinha cegado.
É curioso que Ananias, a quem Deus ordena ir ter com Paulo, ainda sem saber da sua conversão, mostre medo de o encontrar pela fama que tinha. A resposta consoladora que recebe de Deus é um resumo daquela que será a vida de Paulo a partir daquele momento: “Vai, pois esse homem é instrumento da minha escolha, para levar o meu nome entre os pagãos, os reis e os filhos de Israel. Eu mesmo lhe hei-de mostrar quanto ele tem de sofrer pelo meu nome!”
No futuro, devido a este encontro com Jesus, Paulo intitula-se e é reconhecido por todos como Apóstolo, equiparado aos doze que conviveram com Jesus durante os três anos da sua vida pública.
O caminho de Damasco tornou-se um símbolo universal para indicar não só uma mudança existencial, mas também uma verdadeira fulguração que transforma e transfigura todo o ser de uma pessoa. Além disso, tornou-se um paradigma do caminho espiritual de todo o cristão, um itinerário de conversão, de fé e de amor a Cristo, que começa pela experiência pessoal do encontro com ele.
Que nos diz a nós hoje? Como ilumina o nosso crescimento e a nossa formação na fé e na vida cristã?


2.2. “Fui agarrado por Cristo” (Fil 2,12): a fé como encontro com Cristo
Enquanto São Lucas narra o facto com uma grande riqueza de pormenores, Paulo nas suas cartas vai directo ao essencial. Para recordar a mudança radical da sua vida, várias vezes se refere a essa experiência extraordinária em termos autobiográficos. Ele fala de visão (Cristo fez-se ver a mim: 1Cor 15,8; 9,1), de iluminação (2Cor 4,6) e sobretudo de revelação e vocação (aprouve a Deus revelar o Seu Filho em mim: Gal 1,15-16), de corrida ou luta (fui agarrado por Cristo: Fil 2,12), no encontro com o Ressuscitado.
A expressão mais forte a que Paulo recorre talvez seja a da carta aos Filipenses (cf. Fil 3,2-16), onde diz que foi agarrado, apanhado, tomado, conquistado, alcançado, cativado por Cristo. Esta expressão está inserida no contexto de uma imagem proveniente do campo desportivo: Paulo corre para agarrar Cristo, tendo sido já agarrado por Ele. É esta experiência de ter sido “apanhado” por Cristo, que dá impulso à sua “corrida”; e, ao mesmo tempo, proporciona-lhe o maior tesouro: “a maravilha que é o conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor”. Sim, Jesus Cristo é o seu tesouro!
Foi uma revelação que provocou nele uma “revolução”: desde então, tudo o que antes considerava “um ganho” tornou-se paradoxalmente, em palavras suas, “perda e lixo”.
“Daqui deriva para nós uma lição muito importante: o que conta é pôr Jesus Cristo no centro da própria vida, de tal modo que a nossa identidade seja caracterizada, essencialmente, pelo encontro com Cristo e com a Sua Palavra. À sua luz, qualquer outro valor é recuperado e purificado de eventuais imperfeições” (Bento XVI).
Eis a originalidade da fé cristã: ela encontra e exprime a sua originalidade na relação com Jesus Cristo. Ele é o “coração” da própria fé, “o autor e aperfeiçoador da nossa fé” (Heb 12,2). É o fundamento seguro, o conteúdo essencial e a meta viva e pessoal do acto de fé.
Só com os olhos postos em Cristo, o cristão aprende a reconhecer a presença e a acção de Deus que o busca, que vem ao seu encontro e o chama a uma comunhão nova. Jesus Cristo é o tesouro único que o cristianismo tem para oferecer.


2.3. “Vivo na fé do Filho de Deus que me amou e se entregou por mim” (Gal 2,20): a fé como história de amor
Num passo ulterior, Paulo guia-nos à contemplação do rosto de Cristo, redentor do homem e Senhor da história. Aqui deixa-nos ver a razão do seu encanto por Jesus, como tão bem o exprime Bento XVI:
“Na carta aos Gálatas, ele dá-nos uma profissão de fé muito pessoal em que abre o seu coração diante dos leitores de todos os tempos e mostra qual é a mola mais íntima da sua vida: “Vivo a vida presente na fé do Filho de Deus que me amou e se entregou por mim” (2,20). Tudo o que Paulo faz, parte deste centro.
A sua fé é a experiência do ser amado por Jesus Cristo de modo completamente pessoal: é a consciência de que Cristo enfrentou a morte não por qualquer coisa anónima, mas por amor dele, Paulo; e de que, como Ressuscitado, o continua a amar agora, isto é, que Cristo se entregou por ele.
A sua fé é o ser alcançado pelo amor de Jesus Cristo, um amor que o toca no mais íntimo e o transforma. A sua fé não é uma teoria, uma opinião sobre Deus e sobre o mundo. A sua fé é o impacto do amor de Deus no seu coração. E assim esta fé é amor por Jesus Cristo.”
Vemos portanto que a fé não nos coloca frente a coisas ou a um elenco de verdades abstractas e portanto frias ou ainda perante um conjunto de obrigações e proibições. Crer é aceitar alegremente, como válido para mim tal qual sou, esse inigualável acto pessoal de Jesus “Filho de Deus que me amou e se entregou por mim”. Só o Amor é digno de fé! Só daqui, o cristão tira luz e força para a sua vida presente que se torna vida nova. Não é uma teoria ou uma lei que nos salva; é a pessoa viva de Cristo acolhido como Filho de Deus e Salvador nosso. Ele é tudo para nós como foi para Paulo: Ele é “a nossa paz” (Ef 2,14) “a nossa vida” (Col 3,4) nossa “sabedoria, justiça, santificação e redenção” (1Cor 1,30), nosso “único fundamento” (1Cor 4,11), “nossa esperança” (Col 1,27)!
“Se não nos enamorarmos de Cristo, não teremos interesse algum como cristãos” (J. Ratzinger).


2.4. “Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo...” (Ef 1,3): a fé, um sim ao Deus-Amor
Por amor de Cristo, Paulo foi feito prisioneiro. Na prisão sente que a ameaça de morte pende sobre ele como uma espada de Dámocles. Na sua solidão, pensando porventura no fim próximo, procura, de algum modo, “compreender qual a amplidão, o comprimento, a altura e a profundidade do amor de Cristo, que excede todo o conhecimento” (Ef 3,18-19).
E no amor de Cristo contempla, deslumbrado, a beleza e a riqueza da ternura de Deus que se revela no “Filho do Seu Amor”, como um projecto a realizar na história dos homens.
Do coração de Paulo comovido, até às entranhas, brota um hino de júbilo, um Magnificat de acção de graças (cf. Ef 1,3-16). Aí desenvolve, como num grande fresco, o grandioso projecto de Deus e convida a associarmo-nos à sua contemplação maravilhada: não à contemplação estética de um objecto ou coisa bela, mas antes à contemplação cristã de um Deus que nos surpreende com a sua iniciativa, o seu sonho de amor para connosco e nos agracia com toda a espécie de dons espirituais, em Cristo. Contemplemos, pois, estes dons, ainda que brevemente:
– o amor de eleição e predilecção que nos envolve e precede desde toda a eternidade, tal como o amor dos nossos pais nos precede antes de nos gerarem para a vida. Eis porque, de maneira tão estupenda, São Tomás de Aquino, afirma: “Deus ama-me não porque sou bom; mas faz-me bom ao amar-me”;
– o dom da filiação pelo qual nos introduz no mistério da sua intimidade e nos faz participantes da sua vida divina, da sua santidade;
– o dom da redenção pelo qual nos recria e regenera através da sua misericórdia e do perdão;
– o dom da reconciliação pelo qual nos une a todos em comunhão para formar um só povo e um só corpo de que Cristo é a cabeça;
– o dom do Espírito Santo no baptismo como início da vida nova e garantia da vida eterna como nossa herança;
– e, como vértice, o dom da recapitulação final, ou seja, da plenitude de vida que nos espera na ressurreição.
Eis aqui a síntese da fé cristã! Como não dizer “ámen” (sim) a um Deus assim e ao seu desígnio de amor? Como não dobrar os joelhos diante do Pai de quem toma nome toda a família no céu e na terra? (cf. Ef 3,14).
Eis aqui um espelho místico no qual cada cristão e cada comunidade podem ler a infinita ternura de Deus e a sua maravilhosa vocação a serem colaboradores de Deus neste seu projecto.
E que fantástica visão do mundo e da história nos oferece! Enquanto tantos homens não sabem porque estão sobre a terra e para onde caminham; enquanto alguns apregoam, com grande retórica, que tudo é absurdo, Deus enche-nos da sua sabedoria e garante-nos que a história humana tem um sentido, uma direcção, um significado, uma meta. A fé dá-nos, pois, uma profunda confiança e uma imensa alegria para a vida! Como estamos longe da religião do medo!


2.5. O que é que suscita e alimenta a fé?
São Paulo ensina-nos que é fundamental pôr Jesus Cristo no centro da nossa vida para que marque todo o nosso ser. Mas, imediatamente, surge a pergunta: Como se dá o encontro dum ser humano com Cristo? O que é que desperta a fé, a alimenta e nos faz crescer na vida com Cristo?


2.5.1. “Esta palavra é a da fé que anunciamos” (Rom 10,8): a escuta da Palavra
Há uma passagem verdadeiramente iluminante na carta aos Romanos, como resposta à questão: “É junto de ti que está a palavra: na tua boca e no teu coração. Esta palavra é a da fé que anunciamos. Porque se confessares com a tua boca: “Jesus é o Senhor” e acreditares que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo... E como hão-de acreditar naquele de quem não ouviram falar? E como hão-de ouvir falar sem alguém que o anuncie?... Portanto, a fé surge da pregação e a pregação surge pela palavra de Cristo” (Rom 10,8-9.14-17).
Àqueles que julgam que a salvação é um processo difícil e complicado, submetido a uma série de práticas extenuantes, Paulo diz que a Palavra da Salvação espera somente ser acreditada e professada com o coração e a boca. Mas, para se tornar próxima precisa de ser anunciada. Trata-se do primeiro anúncio de Cristo, Senhor e Salvador.
A atitude fundamental da fé, é pois escutar e responder a Deus que na sua Palavra nos fala como um amigo, coração a coração, e se comunica a nós. A fé é resposta à comunicação que Deus faz de si e esta comunicação é o elemento fundador da experiência cristã.
Vemos assim como a Palavra de Deus tem um lugar primário, fundamental no início da vida cristã; mas também para alimentar a vida de fé dia após dia e formar o cristão maduro e adulto. Assim entendemos a exortação de Paulo a Timóteo: “Desde a tua tenra infância conheces as Sagradas Escrituras. Elas têm o poder de te comunicar a sabedoria que conduz à salvação pela fé em Cristo Jesus. De facto, toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar, refutar, corrigir e formar para a justiça, a fim de que o homem de Deus seja completo e preparado para toda a obra boa” (2Tim 3,15-17).
O verdadeiro discípulo deixa-se habitar pela Palavra do Verbo (Cristo): escuta-a atentamente e rumina-a pacientemente, de tal modo que é ela que vive nele, nas suas palavras e nos seus gestos. Como Paulo poderá exclamar: “ Já não sou eu que vivo; é Cristo que vive em mim” (Gal 2,20).


2.5.2. “Deus está no meio de vós” (1Cor 14,25): a celebração da presença do Senhor
O coração que acolhe a Palavra do amor do Pai, é um coração que reza. Ao rezar, o cristão escuta o seu Senhor, entra em diálogo com Ele, abre-lhe o seu coração, adora, louva, agradece, suplica (cf. Col 3,16-17).
Que outra coisa é a oração cristã se não a expressão da nossa relação filial com Deus? É o próprio Espírito Santo que inspira a nossa oração, pondo o nosso coração em sintonia com o coração do Pai (cf. Rom 8,15.26-27).
Mas a pregação do Evangelho inclui também o anúncio da celebração dos dons salvíficos de Deus nos sacramentos. Neste sentido, Paulo atribui uma importância decisiva ao baptismo e à eucaristia. Oferece-nos uma passagem muito iluminante sobre o significado do baptismo como coroamento do anúncio da Boa Nova da renovação em Cristo: “Quando se manifestou a bondade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor para com os homens, Ele salvou-nos pela sua misericórdia mediante o baptismo do novo nascimento e da renovação pelo Espírito Santo, que Ele derramou abundantemente sobre nós por Jesus Cristo, nosso Salvador” (Tito 3,4-6).
Porém, no centro da vida da comunidade e dos cristãos está a celebração da “ceia do Senhor” na qual Cristo dá continuamente o seu Corpo em comunhão e faz de nós o seu Corpo: “O pão que partimos, não é comunhão com o Corpo de Cristo? Uma vez que há um único pão, nós, embora sendo muitos, somos um só corpo, porque todos participamos de um só pão” (Cor 10,16).
Para Paulo, Cristo na Eucaristia é o centro da existência cristã em virtude do qual todos e cada um podem experimentar de modo muito pessoal a entrega de Cristo no seu amor por nós: “Ele amou-me e entregou-se por mim” (Gal 2,20).
Compreendemos assim que a celebração litúrgica (celebrar a presença do Senhor) faz parte da identidade do cristão. Por isso, os mártires da Abitínia, no momento do martírio, proclamaram esta fé: “Nós não podemos viver sem a celebração do dia do Senhor”! E como seria desejável que as nossas assembleias litúrgicas testemunhassem esta fé de tal modo que se realizasse o voto de S. Paulo aos Coríntios: que um não cristão que entre na nossa assembleia, no final possa dizer: “verdadeiramente, Deus está no meio de vós, está convosco!” (1Cor 14,24-25).


2.5.3. “Revesti-vos do amor que é o laço da perfeição” (Col 3,14): a santidade no amor
Para Paulo não basta dizer que os cristãos são baptizados ou crentes. Eles vivem de Cristo e com Cristo: o que dá uma nova orientação, um novo estilo, uma nova respiração espiritual à vida. É a vida nova em Cristo.
Os cristãos estão chamados por Deus a ser um “hino de louvor à sua glória” (Ef 1,14), ou seja, a deixar aparecer através da santidade da vida, a beleza de Deus e do seu infinito amor na vida pessoal, familiar e social. Este é o verdadeiro “culto espiritual” agradável a Deus (cf. Rom 12,1).
O agir cristão encontra o seu centro e a sua expressão concreta no amor: “Acima de tudo revesti-vos do amor que é o laço da perfeição” (Col 3,14), o dom por excelência, a plenitude de toda a lei (cf. Rom 13,8-10).
“A fé que actua em obras de amor ” (Gal 5,6) é um dos princípios primordiais do cristianismo. Neste sentido, Paulo deixou-nos um dos textos mais significativos, o Hino à Caridade (1Cor 13,1-13) que é um verdadeiro monumento, inspirador de toda a fantasia da caridade em todos os tempos.
Nele se diz, em quinze modos diversos, o que é a caridade no presente (v.4-7). E acrescenta que só a caridade tem futuro: o único que permanece é o amor com a fé e a esperança que o sustentam e o tornam possível.
A caridade é amar Deus com todo o coração e amar os outros com o coração de Deus. Este é o amor que abraça todas as vocações, se estende a todos os âmbitos, a todos os tempos e lugares, penetra a terra e é eterno. É a mola que tudo move; é o fogo primordial que anima o universo.
O próprio Paulo nos deixa um testemunho extraordinário naquela sua iniciativa genial de “fantasia da caridade” que foi a grande colecta, realizada nas várias comunidades, a favor dos pobres de Jerusalém! A chamar-nos hoje à globalização da caridade!


3. CRESCER NA FÉ: FORMAR PARA UMA FÉ ADULTA
Segundo a narração dos Actos dos Apóstolos, a conversão repentina e fulgurante de Paulo, às portas de Damasco, foi continuada com uma iniciação por parte da comunidade cristã. Os três dias de cegueira e de jejum configuram um tempo de iniciação, acompanhado pela instrução de Ananias e concluída pela recepção do baptismo. Só então readquiriu a luz dos olhos, o sentido da sua inserção na Igreja e da segurança no caminho de Cristo.
Embora tendo feito uma experiência formidável de Jesus em Damasco, teve que percorrer um caminho, relativamente longo, da cegueira à luz, de neo-convertido a cristão maduro. Passou mesmo através de provações de todo o género para que resplandecesse nele a força de Cristo (cf. 2Cor 12,7-10).
A partir da sua própria experiência, Paulo fala de um crescimento ou progresso na fé. Como tudo na vida, também a fé requer crescimento para permanecer viva. De contrário regride e definha. O conhecimento da “riqueza” que está em Cristo não é algo adquirido ou estático. É antes um processo permanente.
Todo o ministério de Paulo vai na linha da consolidação e formação da vida cristã dos membros da comunidade (cf. 1Tess 2,7-12). A fé precisa de alimento, de cuidado, de orientação, de formação atenta e dedicada. Deve ser cuidada e cultivada para que lance raízes profundas em nós e produza muitos e bons frutos.


3.1. A formação cristã, mais necessária que nunca
A formação cristã sempre foi necessária. Mas hoje é-o mais que nunca para não abortar a vida de fé. Ninguém, em qualquer âmbito, se pode contentar com os conhecimentos iniciais. Se é certo que a fé permanece sempre a mesma, todavia nunca se acaba de “compreender o que se crê e de crer o que se compreende” (Santo Agostinho).
Além disso, é preciso aprender a dizer a fé, a falar da fé e, deste modo, alimentá-la e testemunhá-la. Um amor que não se diz, morre à partida. De igual modo, uma fé que não se exprime, sofre de anemia, perde a vitalidade.
Qual o objectivo da formação cristã?
Nunca nos cansaremos de repetir com São Paulo: que a razão de ser da formação é chegar a “que Cristo seja formado em vós” (Gal 4,19) ou a “alcançar a estatura do homem adulto, à medida de Cristo na sua plenitude” (Ef 4,13).
Não se trata, simplesmente, de armazenar conhecimentos; mas de formar o “ser cristão” em todas as dimensões para descobrir a riqueza e a beleza da fé, da sua própria vocação, e realizar a sua missão no mundo.
A formação para uma fé adulta exige, pois, a educação para viver a fé cristã na sua totalidade una e indivisível, como fé professada, celebrada e vivida.
É também uma formação para todas as idades da vida. A fé não é uma posse tranquila, uma segurança definitiva. Em cada fase ou situação da vida, ela é sacudida, posta à prova e deve ser renovada e aprofundada.
Novas circunstâncias, novas experiências, novas questões e novos problemas fazem com que a significação da fé precise de ser descoberta de modo novo. Eis porque é importante permanecer sempre iniciados na fé.


3.2. Percursos (itinerários) de acesso à fé e de crescimento na fé
Queremos apresentar agora, numa visão global e coerente, o itinerário de formação dos cristãos e as suas várias etapas. Trata-se de responder às questões: quais são os caminhos para um primeiro conhecimento da fé cristã? Como é que a riqueza e a profundidade do Evangelho nos pode tocar? Como podemos nós, enquanto cristãos, crescer na fé? Numa palavra, como tornar-se adulto na fé?


3.2.1. O primeiro anúncio
A fé autêntica, no seu núcleo, é uma adesão amorosa à pessoa viva de Jesus Cristo. Acontece aqui algo de semelhante ao amor entre as pessoas. Primeiro, há algo (palavra, atitude, gesto, experiência) que “toca” e atrai; depois, vem o namoro em que se conhecem. Às vezes, depois de uma vida matrimonial enriquecedora, evoca-se aquele primeiro encontro para testemunhar: “a partir daquele momento, mudou toda a minha vida”.
Na origem da fé autêntica está uma Palavra ou experiência de graça que nos toca. Para chegar à fé, há algo de muito pessoal que se passa. Algo que toca o coração da pessoa e a decide a voltar-se para Jesus Cristo e converter-se a Ele.
Paulo fez esta experiência única às portas de Damasco. Certamente não se pode esperar que cada um experimente o que viveu Paulo de modo extraordinário. Todavia, cada vez mais, os cristãos acreditarão a partir de uma descoberta e de um encontro com Cristo e de uma decisão pessoal.
Este ser tocado no íntimo é obra da graça de Deus. Mas passa, normalmente, pelas mediações humanas: através de um anúncio, do testemunho ou de sinais humanos. Trata-se de um género muito particular de anúncio. Quanto ao seu conteúdo, é muito breve e muito simples: “Jesus Cristo morreu por ti e ressuscitou. Oferece-te uma vida nova. Qual é a tua resposta?”. É a primeira descoberta de Cristo como Salvador, tal como Paulo ao exclamar: “Ele amou-me e entregou-se por mim” (Gal 2,20) ou “O amor de Cristo tomou conta de nós ao pensar que um só homem morreu por todos” (2Cor 5,14). Não se trata de uma mera informação neutra e abstracta. É um anúncio que faz emergir todo o potencial de vida, de verdade e de bem que habita no coração de cada ser humano.
É isto que se chama o Kerygma, o apelo que atinge directamente e trespassa o coração (cf. Act 2,37). É daí que nasce a conversão. Assemelha-se a uma espécie de “big bang” que liberta uma enorme energia capaz de transformar toda a vida da pessoa, de torná-la vida bela, amada, feliz!
Chama-se também “primeiro anúncio” pela importância primordial que reveste! E ainda porque está no princípio como os fundamentos estão no princípio da casa. Está no início de tudo. É o coração e a alma de toda a revelação e da fé. Dá cor e calor a tudo. É o primeiro e primordial para todos: crianças, jovens e adultos. E deve estar sempre presente nas outras etapas de crescimento.
Na prática pastoral precisamos de valorizar e apoiar as iniciativas (retiros, encontros com testemunhas vivas da fé, leitura orante da Palavra, preparação do baptismo ou casamento...) e os vários movimentos que se dedicam a oferecer o primeiro anúncio ou a primeira descoberta da fé de modo que levem a um encontro, de coração a coração, com Cristo vivo, ressuscitado.


3.2.2. Catequese de iniciação à vida cristã
O primeiro anúncio é o catalizador que desencadeia o processo da fé. Mas, em seguida, deve ser aprofundado para encontrar solo firme no caminho da fé.
É esta a função do catecumenado: oferecer um itinerário próprio de aprofundamento da fé, para os não baptizados enquanto crianças, que leva a uma conversão inicial à profissão de fé e à celebração dos sacramentos de iniciação cristã.
É esta também, para os baptizados, a função da catequese: apresentar e propor o conteúdo da fé, de modo orgânico e sistemático, pedagogicamente adaptado a cada idade. Trata-se de estruturar a fé na pessoa, de lhe dar uma coluna vertebral, com o auxílio de um “catecismo” e de um grupo de catequistas como testemunhas da fé; e também com o apoio da comunidade cristã que é o berço vivo da catequese.
Não se pode confundir a catequese com a mera transmissão de conhecimentos ou de doutrina; nem a relação de catequista-catequisando com a relação de professor-aluno.
A catequese tem o carácter de iniciação, gradual e progressiva, a toda a vida cristã, nas várias dimensões: iniciação ao conhecimento do mistério de Jesus Cristo e dos grandes conteúdos da fé; à oração e celebração da fé; à vida da comunidade cristã e ao estilo de vida próprio de um cristão.
A catequese visa, em última análise, ajudar a fazer discípulos de Jesus, num encontro de amizade com Ele. Isto é algo que tem de estar presente em todos os encontros de catequese. Por isso, é muito importante a figura do catequista, enamorado por Cristo. O catequista é o “catecismo” vivo e torna vivo o livro do catecismo. Porque um encontro pessoal com Cristo não se ensina, nem se pode fabricar. Só se pode partilhar, testemunhar. É um facto de que dispomos de muitos catequistas capazes de ensinar e explicar, mas nem todos sabem tocar os corações. Devemos, pois, preparar os nossos catequistas de modo que se deixem também “agarrar” por Cristo e, na intimidade com Ele, adquiram a arte de cativar os corações.


3.2.3. Formação contínua ou permanente dos jovens e dos adultos
Cada idade é uma estação da vida que comporta os seus desafios e a sua maturação adulta. Não basta ser adulto em idade, para ser adulto na fé! Uma grande parte dos cristãos crescem em idade e em cultura, mas ao nível da fé ficaram com os conhecimentos infantis. Na sociedade actual tão complexa, não se permanece cristão só pelo facto de se ter aprendido a sê-lo, quando criança ou adolescente. Tornar-se cristão e adulto na fé não é algo automático.
Também como adultos temos necessidade de um aprofundamento da fé para que esta seja uma escolha pessoal e fundada, e para o diálogo entre a fé e a cultura do nosso tempo. Para isso, não bastam as homilias ou assistir a uma conferência avulsa. Torna-se indispensável uma formação sistemática.
Hoje a formação (ou catequese) dos jovens e dos adultos é mais necessária ainda do que a das crianças e dos adolescentes. Na situação actual deveríamos dinamizar toda a formação recentrando-a nos adultos.
Uma das maiores lacunas de muitos cristãos é a falta de uma visão de síntese da fé cristã. É como quem vê as árvores, mas não vê a harmonia e a beleza da floresta. Para responder a esta necessidade confio à Comissão de Catequese com Adultos e ao Centro de Formação e Cultura a elaboração desta síntese, em vários encontros ao longo de um ano, e segundo um método interactivo em que se possa partilhar a experiência da fé. Esta formação poderá, posteriormente, ser oferecida em cada paróquia ou a nível de vigararia.
Outra lacuna a preencher com urgência é a falta de conhecimento e de gosto da Palavra de Deus contida na Bíblia. A Bíblia, porém, é o primeiro livro da fé e da cultura cristãs. É uma vergonha que grande parte dos católicos não tenham familiaridade com a Palavra de Deus por ignorância e incapacidade de ler e entender a Bíblia. Ora, como diz São Jerónimo, “a ignorância das Escrituras é a ignorância acerca de Cristo.” Como se pode amar Aquele que se não conhece? Neste sentido é necessário que, a nível de paróquias ou vigararias, se realizem cursos de iniciação à Bíblia ou “serões bíblicos”.
Além disso, “um meio seguro para aprofundar e saborear a Palavra de Deus é a lectio divina que constitui um verdadeiro itinerário espiritual. O estudo e a meditação da Palavra de Deus devem levar à adesão a uma vida conforme a Jesus Cristo e aos seus ensinamentos” (Bento XVI).
Já lançámos, no ano passado, este método de leitura orante e familiar da Bíblia, com grande adesão popular. Continuaremos a incentivá-lo neste ano pastoral.


3.2.4. O Ano Litúrgico como itinerário de formação para todos
Outro lugar e meio fundamental de formação da vida cristã é a liturgia. Como diz o Concílio Vaticano II, ela “é a fonte primeira e necessária onde os fiéis hão-de ir beber o espírito verdadeiramente cristão” (SC 14), isto é, alimentar a sua fé e a sua vida espiritual.
Ao longo do Ano Litúrgico, a Igreja celebra o mistério de Cristo – mistério da Salvação – nos seus distintos aspectos e momentos.
Na celebração é o Senhor que vem ao nosso encontro, que nos fala, que nos faz participantes da infinita riqueza da sua vida e do seu amor, e nos santifica. A espiritualidade do Ano Litúrgico educa-nos, pois, a vivermos e a alimentarmo-nos da Palavra, das orações, dos símbolos da celebração e do mistério celebrado. Assim, o Ano Litúrgico é, para todos, uma verdadeira escola da fé. Como esta riqueza deveria suscitar em nós todo o cuidado a pôr na preparação, na vivência interior, na dignidade e beleza das nossas celebrações!
O Ano Litúrgico convida-nos a desenvolver uma outra vertente da formação dos fiéis que precisa de ser incrementada: a formação da vida espiritual através de propostas de tempos fortes de oração, meditação e contemplação (retiros, encontros…). Há um défice muito grande de espiritualidade nas nossas comunidades!


3.2.5. O contributo da piedade popular
Embora a liturgia ocupe o lugar central no caminho espiritual do cristão, não esgota porém toda a espiritualidade da vida cristã. Existe também a piedade popular que engloba determinadas devoções, peregrinações e procissões, festas em honra dos santos. Caracterizam-se por um clima mais afectivo e espontâneo, ou então por dar mais espaço à interioridade e à oração pessoal.
As expressões desta piedade popular são também meios para fomentar a vida espiritual e até a santidade popular. Merecem que se lhes reserve uma especial atenção em ordem a renová-las com um conteúdo mais bíblico e evangélico, orientá-las para o coração da fé que é Jesus Cristo, e a purificá-las de sentimentalismos exagerados e dos riscos de superstições. Fátima tem sido exemplo no esforço de evangelização e renovação da piedade popular.
De modo particular, impõe-se restituir dignidade cristã às festas populares em honra dos Padroeiros que, nalguns lugares, estão a resvalar para um consumismo imprudente e até escandaloso, roçando mesmo o paganismo.


4. A IGREJA, CASA E ESCOLA DA FÉ
Já vimos como Paulo, após a revelação inesperada de Cristo, foi acolhido na Igreja de Jesus, que já existia antes da sua conversão.
Foi a Igreja que o iniciou no conhecimento e aprofundamento da fé em Jesus e da existência cristã. Ele próprio, no seu anúncio, refere: “ Transmiti-vos o que eu mesmo recebi” (1Cor 15,3). Isto já diz, por si só, como e quanto a Igreja foi para ele Mãe e Mestra, que o ajudou a gerar para a fé. Disto sente-se devedor.
Torna-se então claro que a fé professada por um cristão não é algo que cada um inventa ou fabrica a seu bel-prazer. É verdade que a fé é dom de Deus. Mas chega até nós através da mediação da Igreja. Só nesta é possível encontrar as feições completas e originais do rosto de Cristo.
Pelo baptismo tornamo-nos a família de Deus, “membros da casa de Deus” (Ef 2,19), filhos e filhas do mesmo Pai, irmãos e irmãs de Cristo e em Cristo, reunidos todos pelo mesmo Espírito de amor. Isto é a essência da Igreja, a nossa família espiritual, a nossa casa espiritual. Tal como na casa de família somos iniciados à vida, assim na casa da nossa família espiritual somos iniciados à vida cristã.


4.1. A paróquia, comunidade formativa
Uma comunidade cristã é, pois, o lugar natural onde somos acolhidos e iniciados no mistério de Cristo e da existência cristã; onde a fé é vivida e partilhada, onde ela pode crescer, amadurecer e dar frutos. Lugar onde nos reunimos para escutar a Palavra de Deus; onde se celebra a Aliança de Deus connosco; onde se vive o amor fraterno; onde os cristãos se ajudam mutuamente a viver o Evangelho pela riqueza da fé, do testemunho e do serviço de cada um em relação aos outros. Assim se torna uma comunidade de fé viva e irradiante. Eis como e porque a comunidade cristã é uma casa e escola da fé. A fé precisa de um ambiente comunitário para sobreviver e crescer!
Toda a comunidade é responsável na iniciação e formação dos seus membros. A paróquia é, pois, uma comunidade educativa, comunidade de formação antes de ser um centro de organização de actividades e serviços. Isto deve ser uma das suas prioridades.
Também neste aspecto, São Paulo é exemplo. Através das cartas, sobressai a sua preocupação por arranjar muitos e bons colaboradores, formando uma rede de trabalho e em equipa. E cuidava, muito seriamente, da sua formação (formação de formadores!) para o anúncio da Palavra e o crescimento da comunidade.
Só em Rom 16,1-24 recorda 36 pessoas e cada uma é caracterizada com atributos que evocam a intensidade de relações. É surpreendente o afecto e a alegria de Paulo por esta rede de relações, pela equipa de colaboradores que considerava preciosa para o evangelho de Jesus Cristo. Chama-os “meus colaboradores em Cristo”. E deixa ver como se respirava uma atmosfera de comunhão na fé e na alegria, de corresponsabilidade na formação da comunidade cristã.
Do que foi dito derivam três propostas concretas a implementar. Antes de mais, a escolha e a “formação de formadores idóneos” é uma urgência primária para assegurar a formação geral e específica de todos os fiéis. O pároco não pode fazer tudo.
Uma atenção particular merece a formação dos adultos. Em cada paróquia ou vigararia poderá criar-se uma escola da fé (ou de formação de adultos) para oferecer, em cada ano, a um grupo diferente de adultos, a visão de síntese da fé, já antes mencionada.
A formação cristã não se esgota no âmbito da paróquia, porque esta, por si só, não é capaz de responder a tudo. Os grupos, as associações e os movimentos também têm o seu lugar na formação dos fiéis. Seria bom “trabalhar em rede” segundo as necessidades e oportunidades, em espírito de comunhão eclesial.
Quero ainda recordar que a visita pastoral é uma boa oportunidade para sensibilizar e dinamizar as paróquias em ordem à formação cristã.


4.2. Serviços diocesanos de apoio à formação cristã
A Diocese tem uma série de serviços centrais organizados para promover e apoiar a formação cristã, em todas as suas dimensões, para as várias idades e para os diferentes serviços na Igreja e nas comunidades.
Lembro o nosso Centro de Formação e Cultura, que, em colaboração com os outros departamentos, oferece uma possibilidade de formação para jovens e adultos, a diversos níveis: um curso fundamental da fé, intitulado “Razões da Esperança”, de acessibilidade geral e frequentado, no ano transacto, por 400 pessoas; o Curso Geral de Teologia, de nível mais profundo e sistemático; e ainda cursos especializados para os vários ministérios e serviços. Como não entusiasmar nas paróquias os fiéis leigos mais empenhados nos serviços da comunidade, a aproveitarem esta oportunidade?
Seja-me permitido lembrar ainda, a propósito, que é no nosso Seminário que funcionam todos os serviços de apoio à formação cristã. O edifício vai entrar em obras de remodelação para instalar adequadamente estes serviços e destinar uma parte dele a uma casa de retiros. Será dada uma informação pormenorizada à diocese, mas desde já recordo que é obra de todos e para todos os diocesanos. Espero que todos possamos amar esta obra e contribuir generosamente para ela.


4.3. Família, reacende o dom da fé que está em ti! Comunica a tua fé!
O ano pastoral coincide também com o Ano comemorativo do centenário do nascimento do Beato Francisco Marto, exemplo de como uma criança é capaz de ir ao coração da fé. O programa já foi divulgado pelo Santuário de Fátima. É uma ocasião para descobrir o lugar e o protagonismo das crianças na história do mundo e da salvação. E, consequentemente, o papel importante da família como lugar nativo da primeira iniciação à fé, o seu empenho na formação cristã dos filhos, a sua colaboração indispensável com a catequese. A cada família deixo um apelo vibrante: “Família, reacende o dom da fé que está em ti! Família, comunica a tua fé!”.
Desde já, faço o convite e a proposta para que as crianças da catequese com os seus pais participem na peregrinação das crianças a Fátima, no dia 10 de Junho. Peço aos catequistas que as entusiasmem e preparem com elas, bem e antecipadamente, esta peregrinação.


4.4. Um ano a caminhar com São Paulo no crescimento da fé
Neste contexto, o ano dedicado a São Paulo é um verdadeiro “Kairós”, quer dizer, um tempo especial de graça para a formação cristã na companhia de Paulo como Mestre. Assim propomos uma série de iniciativas a levar a cabo na nossa diocese:


1. “Um ano a caminhar com São Paulo” é a proposta da Conferência Episcopal Portuguesa para a vivência do Ano Paulino. Para isso dispomos de um livro, com o mesmo título, da autoria de D. Anacleto, Bispo auxiliar de Lisboa. É um autêntico itinerário de fé, com 52 temas, um para cada semana do ano, que oferecem uma visão sintética da fé. Para isso seria bom e recomendável constituir os “grupos paulinos” nas paróquias, movimentos, associações, para que se faça a reflexão em grupo e se partilhe a fé e a oração.


2. O Retiro Quaresmal com São Paulo: à semelhança do que fizemos no ano passado, vamos viver a Quaresma como um tempo de “retiro popular”, em ordem ao aprofundamento da fé. Será feito nas paróquias, em pequenos grupos, a partir de alguns textos de São Paulo, sob a forma de meditação orante e familiar da Palavra de Deus (lectio divina).


3. Um encontro de formação e oração: “Ir ao coração da fé”, em cada vigararia, presidido pelo bispo, particularmente destinado aos membros mais empenhados nos serviços das comunidades e paróquias.


4. Um módulo de formação sobre São Paulo e a sua actualidade, da iniciativa do Centro de Formação e Cultura, com a duração de 8 horas, a propor às comunidades.


5. A “lectio divina” da Carta aos Romanos, a mais importante das cartas de São Paulo, que é a síntese de todo o seu anúncio e da sua fé. É também uma iniciativa do Centro de Formação e Cultura e estará disponível no site da Diocese.


6. O estudo das comunidades paulinas: será o tema da semana de formação permanente para o clero diocesano.


7. Início da fase de reflexão e sensibilização do presbitério e das comunidades em ordem à implementação do diaconado permanente como um ministério, com configuração própria, para a edificação da comunidade e ao serviço da sua formação, na linha da teologia de São Paulo acerca dos ministérios.


8. Uma colecta a favor dos pobres a ser realizada no ofertório das celebrações eucarísticas no dia 25 de Janeiro de 2009, festa da conversão de São Paulo, que coincide com o domingo. É um modo de actualizar a grande colecta por ele realizada. Será entregue à Cáritas Diocesana.


9. Participação numa grande celebração nacional no mesmo dia 25 de Janeiro, na igreja da Santíssima Trindade, em Fátima.


10. Encerramento solene do Ano Paulino, a 28 de Junho de 2009, domingo, na Sé de Leiria, sob a presidência do bispo.


Confiemos à intercessão de São Paulo e de Maria, a Virgem fiel, o êxito do nosso caminho.
Dirigimo-nos a ti, ó grande apóstolo São Paulo,
Arauto de Cristo e nosso Mestre na fé.
Fazemos nossa a mesma súplica do macedónio:
“Passa e ajuda-nos” com o teu anúncio, o teu exemplo e a tua intercessão.
Intercede ao Senhor por nós, cristãos do século XXI:
Que Ele nos abra os olhos da mente e do coração
Como abriu os teus, no caminho de Damasco,
Para alcançarmos o sublime conhecimento de Cristo,
E, assim, podermos ir ao coração da fé.
Contigo e com Maria, a Virgem fiel,
O Senhor nos conceda
Reacender a chama da nossa fé,
Crescendo numa fé adulta, esclarecida e convicta.
Ajuda-nos a permanecer firmes e sólidos na fé. Ámen!
Saúdo-vos, de todo o coração,


† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
Leiria, 8 de Setembro de 2008
Festa da Natividade de Nossa Senhora